1 João 5:7 consta nos originais?

 

O versículo no grego:

 

ὅτι τρεῖς εἰσιν οἱ μαρτυροῦντες [εν τῷ οὐρανῷ ὁ πατήρ ὁ λόγος καὶ τὸ Ἅγιον Πνεῦμα καὶ οὗτοι οἱ τρεῖς ἕν εἰσι]

 

Esse texto aparece entre colchetes em algumas traduções; em outras, nem aparece entre colchetes, sendo omitido e apresentando apenas "porque três são os que testificam". Mas e a parte "no céu, a palavra e o Espírito Santo e esses três são um". Qual o motivo de acontecer isso?

Alguns afirmam que quando um texto se encontra entre colchetes, ele não consta nos originais, sendo fruto de um acréscimo, de um enxerto. No entanto, vamos ver que não é como dizem; um texto entre colchetes não necessariamente foi acrescentado. Quando um texto se encontra entre colchetes, significa que ele não faz parte da mesma família de manuscritos. Em outras palavras, se um escriba ou copista estava fazendo uma cópia do Novo Testamento e o manuscrito que ele tinha em mãos — a família de manuscritos que possuía — não continha aquela determinada passagem, ele recorria a outra família de manuscritos, pegando o trecho que faltava e colocando no manuscrito que estava escrevendo.

Esse é o motivo para o texto aparecer entre colchetes; não é para afirmar que é um acréscimo ou que alguém inventou isso. O objetivo é indicar que aquele trecho não faz parte da mesma família de manuscritos, sendo necessário recorrer a outra família para incluir o texto no manuscrito que o copista estava copiando. Porém, esse trecho não se encontra nos mais antigos, mas há um contexto para isso, uma explicação para ele estar nos mais recentes. Vamos explorar o motivo disso.

 

Vamos ver um comentário de Jerônimo:

 

“Tradutores irresponsáveis tem deixado de fora este testemunho em códex de grego”

Fonte: Jerome, Prologue to the Canonical Epistles

 

Observamos que Jerônimo menciona especificamente que este versículo estava sendo removido de manuscritos gregos em seus dias. Logicamente, podemos supor que, para ele reconhecer a ausência desse verso como uma omissão no texto grego, deveria ter tido conhecimento do manuscrito grego que continha essa passagem, incluindo a vírgula necessária para a elaboração da Vulgata.

 

 

Contexto Histórico

Os manuscritos gregos mais antigos do que o de Jerônimo que temos hoje são posteriores a esse comentário de Jerônimo. Portanto, quando ele faz esse tipo de comentário a respeito desse verso, isso quer dizer que havia um manuscrito mais antigo que continha essa passagem sem estar entre colchetes, indicando que era originalmente escrito por João.

Vamos abordar uma questão externa para mostrar o motivo de esse texto ser retirado, pois não há tantas evidências externas na Igreja Oriental. Nesse contexto, ocorria um embate contra o sabelianismo e o arianismo, e nesse processo, esse texto foi suprimido devido a um confronto direto. Existem duas linhas de interpretação, sendo que apenas uma delas é correta. Alguns copistas da Igreja Oriental podem ter removido esse texto de boa fé (não que seja correto) para evitar dar margem ao sabelianismo. Outros copistas podem tê-lo removido de má fé, visto que o texto desmonta a crença ariana.

O Códex TR ou Textus Receptus (Texto Recebido) é a denominação dada a uma série de textos do Novo Testamento em grego impressos do século XVI ao XIX. Ele é o único que está em sintonia com os pais da Igreja, já que os outros não consideram esse contexto histórico mencionado pelos pais da Igreja.

 

Evidência interna

Para compreendermos a integralidade do versículo 7 de 1 João 5, é essencial analisarmos seu contexto imediato, iniciando com o versículo 6:

 

"Este é aquele que veio por água e sangue, isto é, Jesus Cristo; não só por água, mas por água e por sangue. E o Espírito é o que testifica, porque o Espírito é a verdade." (1 João 5:6)

 

Neste trecho, percebemos o testemunho do Espírito em relação a Jesus Cristo. Tal testemunho do Espírito é crucial para a compreensão do versículo subsequente, o 7:

 

"Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um." (1 João 5:7)

 

No entanto, é importante notar que, em alguns dos manuscritos mais antigos, apenas a parte em negrito é encontrada, sendo que o restante do versículo não está presente na maioria desses manuscritos. Essa observação torna-se significativa quando consideramos a correlação entre o testemunho divino e a resposta à oração presente no versículo 10:

 

"Quem crê no Filho de Deus, em si mesmo tem o testemunho; quem a Deus não crê mentiroso o fez, porquanto não creu no testemunho que Deus de seu Filho deu." (1 João 5:10)

 

Dessa forma, enquanto o Espírito testifica, o versículo 7 fornece uma visão mais ampla, indicando que três testificam no céu – o Pai, a Palavra e o Espírito Santo. Isso esclarece onde o Pai realiza o seu testemunho, como explicitado: "no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo". Portanto, o versículo 7 oferece uma visão trinitária do testemunho divino, unindo a ação do Pai, do Filho (a Palavra) e do Espírito Santo.

 

Ausência Nos Manuscritos Mais Antigos

 

Outro argumento utilizado contra 1 João 5 versículo 7 é a ausência nos manuscritos mais antigos, incluindo o Códice Vaticanus, Códice Sinaiticus e Códice Alexandrinus. No entanto, vamos apresentar uma defesa considerando as citações de pais da igreja e cristãos dos primeiros séculos:

 

- Justino Mártir (89-165 d. C), no livro Primeira Apologia (150 d.C) faz uma citação onde coloca o Filho em segundo lugar, e o Espírito em terceiro lugar, muito provavelmente baseado em 1 João 5:7, veja:

“Cultuamos o Criador do Universo... Honramos também Jesus Cristo e o colocamos em segundo lugar assim como o Espírito profético, que pomos no terceiro”

- Clemente de Alexandria (150-215 d.C) cita "e estes três são um" uma clara referência a 1 João 5:7 em seu livro "Comentário sobre a Primeira Epístola de João".

- Tertuliano(155-222), faz a menção do Pai, Filho e Espírito Santo como três testemunhas, obviamente se baseou em 1 João 5:7, vejamos:

 

·         A passagem (Contra Práxeas, 25):

 

"Assim, a conexão do Pai no Filho, e do Filho no Paráclito, produz três pessoas coerentes, uma da outra, que três são um, não uma pessoa, como se diz:'Eu e o Pai somos um'"

 

·         E em seu livro 'Do Batismo', ele ainda diz:

 

"Agora, se cada palavra de Deus deve ser confirmada por três testemunhas ... Pois onde estão os três, ou seja, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, aí está a Igreja que é um corpo dos três"

 

- E Orígenes (185-254 d.C), ao abordar as pessoas da Trindade, faz referência de maneira sugestiva a 1 João 5:7, dizendo: "Porque os três são um", trecho presente em seu "Comentário do Salmo 122".

- Com Cipriano de Cartago (208-258 d.C) foi um bispo de Cartago do século III, temos duas citações a 1 João 5:7

·         Em sua obra 'Da Unidade da Igreja', diz:

"O Senhor diz: Eu e o Pai somos um e novamente está escrito do Pai e do Filho e do Espírito Santo: E estes três são um”

·         Em sua "Epístola a Jubaiano", ele cita:

"Se do Espírito Santo; visto que os três são um, como pode o Espírito Santo estar em paz com aquele que é o inimigo do Filho ou do Pai?"

 

- Atanásio de Alexandria escreveu sua obra "Disputa com Ário" durante o Concílio de Niceia, que ocorreu no ano 325 d.C e cita a carta de João capítulo 5 versículo 7 como texto inspirado e escrito pelo apóstolo João.

- Prisciliano de Ávila (Galécia, c. 340 – Tréveris, 385) foi um bispo em sua obra Liber Apologeticus, defesa do Sínodo de Saragoza por volta de 380 d.C. faz citação de 1 João 5:7

 

- Cirilo de Alexandria 444 d.C, em sua obra diz: Primeira carta de João capítulo 5 versículo 7 “Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um”.

Ao considerar essas fontes, embora 1 João capítulo 5 versículo 7 não esteja presente nos manuscritos mais antigos, existem indícios de seu conhecimento e aceitação em certas tradições cristãs dos primeiros séculos.


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